Recentemente, a primavera chegou aqui no Hemisfério Sul, o que significa, para nós, que o ano está caminhando para o seu fim. É o momento em que vemos as flores desabrocharem, os frutos de inúmeros esforços cotidianos enfeitando árvores e campos, infundindo a vida com cores, alegria e significado.
Mas já é outubro, e eu sinto que não desabrochei, leitor. Sinto-me ainda como uma semente, retraída e adormecida. Ainda limitada, enclausurada em uma pequenez que me envolve por inteiro.
Que crescer não é um processo fácil, todos sabemos. Tanto já falei sobre isso, aqui, em meus textos! Mas é que, a cada dia, percebo que a vida vai se tornando, pouco a pouco, mais difícil, mais cheia de responsabilidades e afazeres, com mais e mais cobranças – ainda que elas se revelem vir principalmente de nós mesmos –, mais pesada de carregar.
Preciso confessar que a vida adulta, por vezes, me leva a enxergar tudo com menos entusiasmo, a esperar pelo pior, e quando ele chega, me lamentar ainda mais. Crescer pode ser desanimador para pessoas que, assim como eu, sentem tudo à flor da pele, com extrema intensidade.
Para intensificar, parece que tanta coisa vem acontecendo em nosso planeta nos últimos tempos. Como desabrochar em um mundo assim? Como crescer em um mundo que passou por uma pandemia global, que vem sofrendo com o aumento de temperatura e batendo recordes de calor? Um mundo em que reside tanta crueldade, miséria, sofrimento e guerra?
Um mundo em que tudo parece tão caro e um dia do nosso trabalho vale menos que uma refeição, um mundo em que inúmeros empregos vêm perdendo o seu sentido, ameaçados de substituição por tecnologias, um mundo em que a inteligência artificial evolui exponencialmente e parece fazer tudo tão melhor do que o ser humano? Como vir-a-ser em um mundo em que dificilmente conseguimos enxergar a expectativa de um futuro tranquilo?
Como fazer o básico neste mundo? Como dormir, como comer? Como ler em um mundo assim? Como escrever nesse mundo? Como ser em um mundo assim? Como desabrochar, como fazer flores crescerem, se a cada minuto, a cada segundo, tudo o que somos já não é? E, de novo, já não é. Já não é. Mundo urgente, mundo simultâneo. Mundo estranho.
O tempo nunca parece ser o suficiente, apesar de tentarmos controlar cada minuto. Nunca somos produtivos o suficiente, nunca nos mostramos úteis e validados o suficiente, e nada parece ser, simplesmente, o suficiente. Nenhuma conquista parece ser motivo de comemoração, ou melhor, nenhuma conquista vem, realmente, se parecendo com uma conquista, tudo parece o mínimo a ser feito pela sobrevivência. O custo de sobreviver parece ser deixar de viver.
Talvez seja exagero da minha parte, leitor, afinal, como eu disse, sou intensa. Mas, quem sabe, não seja. Quem sabe você não se identifique e sinta o mesmo, bem lá no fundo do seu sentimento-existência, e concorde comigo, com cada palavra que escrevo? Não saberei da resposta, a menos que escreva. E é por isso que escrevo hoje, depois de meses sem inspiração para atualizar esse espaço.
E, quem sabe ainda, eu – e você, que se identificou – estejamos, sim, crescendo e desabrochando, mesmo que não estejamos conseguindo enxergar. Talvez, tudo o que viemos fazendo ao longo deste ano pareça ser tão pouco, e na verdade é tudo. Tudo o que podemos, tudo o que precisamos. Talvez sejamos, sim, suficientes. Talvez esse mundo esteja irreal demais para a humanidade real, confundindo nossas cabeças.
Acho que consegui enxergar um broto, leitor. É esse texto aqui.
Escrever, sabemos bem, é uma das formas mais poderosas de crescimento pessoal. Mesmo quando sentimos que não desabrochamos completamente, nossas palavras, nossas reflexões, e nossos questionamentos nutrem o solo fértil da nossa jornada. Assim, talvez, estejamos crescendo, desabrochando, e enfrentando os desafios do mundo de forma mais significativa do que imaginamos. A primavera está por aqui, apesar de tudo.
Que esse texto tenha feito as suas forças internas encontrarem algum caminho no meio de tanta confusão, leitor. Que você escreva, também. E que você tenha se encontrado em algum desses pedaços.
Até a próxima!
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