O que o outono e um poema da Mary Oliver me ensinaram sobre transformação
- Mariana Casarin Frata
- 20 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
OlÔ, leitor. à muito bom ter você por aqui! Sabia que hoje, dia 20 de março, oficialmente se inicia o outono aqui no Brasil?

Ć a minha estação favorita. Aquele sol intenso e as chuvas abafadas de verĆ£o diminuem, o clima ameniza e refresca, as Ć”rvores comeƧam a soltar folhas alaranjadas⦠à a estação que tem a paleta de cores que acho mais bonita: os tons terrosos, quentes e neutros. Quando penso em outono, penso em coisas confortĆ”veis, como uma xĆcara de cafĆ©, cardigans e suĆ©teres, velas aromĆ”ticas, sofĆ”s aconchegantes, e, Ć© claro, um livro para acompanhar! AlĆ©m disso, Ć© a estação do ano em que eu nasci. Posso dizer que me identifico e tenho uma simpatia bem grande com o outono.
Mas para alĆ©m de tudo isso, o outono sempre me traz uma reflexĆ£o muito valiosa: a possibilidade ā e a necessidade ā de transformação.
Todo ano, o outono nos presenteia com a ideia de recomeƧar, nos mostrando que atĆ© o mundo, esse planeta enorme, e a natureza, precisam de um momento para se livrar daquelas folhas que jĆ” estĆ£o velhas, e criar espaƧo ā e tempo ā para brotar algo novo. E Ć© tĆ£o bonito observar isso!

Quando isso acontece, eu me lembro de que também pode haver beleza em deixar certas coisas morrerem para que algo melhor nasça em seu lugar. Não só nas Ôrvores e nas plantas, mas também dentro de nós. HÔ beleza em compreender que chegou a hora de nos livrarmos de certos comportamentos, pensamentos, ideais, manias, insistências⦠para dar espaço àquela pessoa em quem nos transformaremos no futuro, seja ele próximo ou distante.
Porque, assim como o mundo, estamos em constante transformação. Por mais que, Ć s vezes, a mudanƧa seja dolorosa, o outono chega para nos mostrar que Ć© essencial reconhecer a ā nossa ā mudanƧa de estação, entender o propósito da dor.
E sempre que eu penso sobre isso, me lembro de um poema muito bonito que li no meu Ćŗltimo ano da graduação ā mais ou menos nessa mesma Ć©poca, lĆ” no ano passado. O tĆtulo Ć© āIn Blackwater Woodsā, da poeta norte-americana Mary Oliver. Ela escreveu, principalmente, inspirada por sua visĆ£o privilegiada da natureza, sua solitude e seu fascĆnio pelos detalhes que passam despercebidos mundo.

Segue o poema na Ćntegra, em inglĆŖs, e uma ā tentativa de ā tradução minha.
Look, the trees are turning their own bodies into pillars of light, are giving the rich fragrance of cinnamon and fulfillment, the long tapers of cattails are bursting and floating away over the blue shoulders of the ponds and every pond, no matter what its name is, is nameless now. Every year everything I have ever learned in my lifetime leads back to this: the fires and the black river of loss whose other side is salvation, whose meaning none of us will ever know. To live in this world you must be able to do three things: to love what is mortal; to hold it against your bones knowing your own life depends on it; and, when the time comes to let it go, to let it go.
Veja, as Ôrvores estão transformando seus próprios corpos em pilares de luz, estão exalando a rica fragrância de canela e satisfação, as longas velas de taboa estão irrompendo e flutuando sobre as bordas azuis das lagoas e cada lagoa, não importa qual o seu nome, não tem nome agora. Todo ano tudo o que eu aprendi em toda a minha vida me leva de volta a isso: os incêndios e o rio escuro da perda cuja margem oposta é salvação, cujo significado nenhum de nós jamais saberÔ. Para viver neste mundo você deve ser capaz de fazer três coisas: amar aquilo que é mortal; segurÔ-lo contra os seus ossos sabendo que sua própria vida depende daquilo; e, quando chegar a hora de deixar ir, deixar ir.
Ahh, nĆ£o Ć© linda a imagem que esse poema cria? O incĆŖndio, o fogo, a chama da vela que representam tudo se desfazendo⦠A ideia de que, todo ano, tudo aquilo que se aprendeu, que se foi, que se amou, terĆ” de passar por uma espĆ©cie de destruição. Precisamos filtrar a nossa existĆŖncia como com o cafĆ©: deixar o que nĆ£o serve para trĆ”s, e transformar o que serve em algo bom. E passar por tudo isso, ainda que doa, significa salvar-se ā de si, do mundo. Ser alguĆ©m melhor a cada dia.
Mas os versos que acho mais bonitos sĆ£o esses Ćŗltimos. AbraƧar a transformação, para Mary Oliver, Ć© prĆ©-requisito da nossa existĆŖncia humana aqui nesse mundo. Agarrar a mortalidade por quanto tempo for possĆvel, mas quando chegar a hora de deixar irā¦
Simplesmente deixar ir.
Confesso que, por vezes, me culpo por nĆ£o estar florescendo. Mas aĆ eu me lembro de que o nosso corpo tambĆ©m Ć© composto por estaƧƵes e penso, ah, entĆ£o Ć© isso, nĆ£o chegou o meu perĆodo de colheita. Ainda estou preparando o meu solo para receber novas sementes, passando por um momento necessĆ”rio para o meu amadurecimento. Ć preciso, antes, firmar as raĆzes. Ainda que um momento pareƧa parado e vazio, lembre-se: as flores comeƧam o seu trabalho debaixo do solo, silenciosamente. NĆ£o somos tĆ£o diferentes das plantas, afinal.
E eu espero que vocĆŖ, leitor, vivencie tanto as dores ā necessĆ”rias ā quanto as delĆcias das suas estaƧƵes, das suas transformaƧƵes. Que o outono sempre te lembre de que hĆ” beleza no processo. Que a poesia te incendeie, te impulsione a chegar na outra margem da lagoa. E que vocĆŖ tenha se encontrado em alguns desses meus pedaƧos.
Até a próxima!