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O que o outono e um poema da Mary Oliver me ensinaram sobre transformação

Mariana Casarin Frata

Olá, leitor. É muito bom ter você por aqui! Sabia que hoje, dia 20 de março, oficialmente se inicia o outono aqui no Brasil?

É a minha estação favorita. Aquele sol intenso e as chuvas abafadas de verão diminuem, o clima ameniza e refresca, as árvores começam a soltar folhas alaranjadas… É a estação que tem a paleta de cores que acho mais bonita: os tons terrosos, quentes e neutros. Quando penso em outono, penso em coisas confortáveis, como uma xícara de café, cardigans e suéteres, velas aromáticas, sofás aconchegantes, e, é claro, um livro para acompanhar! Além disso, é a estação do ano em que eu nasci. Posso dizer que me identifico e tenho uma simpatia bem grande com o outono.


Mas para além de tudo isso, o outono sempre me traz uma reflexão muito valiosa: a possibilidade – e a necessidade – de transformação.



Todo ano, o outono nos presenteia com a ideia de recomeçar, nos mostrando que até o mundo, esse planeta enorme, e a natureza, precisam de um momento para se livrar daquelas folhas que já estão velhas, e criar espaço – e tempo – para brotar algo novo. E é tão bonito observar isso!


Quando isso acontece, eu me lembro de que também pode haver beleza em deixar certas coisas morrerem para que algo melhor nasça em seu lugar. Não só nas árvores e nas plantas, mas também dentro de nós. Há beleza em compreender que chegou a hora de nos livrarmos de certos comportamentos, pensamentos, ideais, manias, insistências… para dar espaço àquela pessoa em quem nos transformaremos no futuro, seja ele próximo ou distante.


Porque, assim como o mundo, estamos em constante transformação. Por mais que, às vezes, a mudança seja dolorosa, o outono chega para nos mostrar que é essencial reconhecer a – nossa – mudança de estação, entender o propósito da dor.


E sempre que eu penso sobre isso, me lembro de um poema muito bonito que li no meu último ano da graduação – mais ou menos nessa mesma época, lá no ano passado. O título é “In Blackwater Woods”, da poeta norte-americana Mary Oliver. Ela escreveu, principalmente, inspirada por sua visão privilegiada da natureza, sua solitude e seu fascínio pelos detalhes que passam despercebidos mundo.


Mary Oliver (1935-2019)

Segue o poema na íntegra, em inglês, e uma – tentativa de – tradução minha.


Look, the trees are turning their own bodies into pillars of light, are giving the rich fragrance of cinnamon and fulfillment, the long tapers of cattails are bursting and floating away over the blue shoulders of the ponds and every pond, no matter what its name is, is nameless now. Every year everything I have ever learned in my lifetime leads back to this: the fires and the black river of loss whose other side is salvation, whose meaning none of us will ever know. To live in this world you must be able to do three things: to love what is mortal; to hold it against your bones knowing your own life depends on it; and, when the time comes to let it go, to let it go.

Veja, as árvores estão transformando seus próprios corpos em pilares de luz, estão exalando a rica fragrância de canela e satisfação, as longas velas de taboa estão irrompendo e flutuando sobre as bordas azuis das lagoas e cada lagoa, não importa qual o seu nome, não tem nome agora. Todo ano tudo o que eu aprendi em toda a minha vida me leva de volta a isso: os incêndios e o rio escuro da perda cuja margem oposta é salvação, cujo significado nenhum de nós jamais saberá. Para viver neste mundo você deve ser capaz de fazer três coisas: amar aquilo que é mortal; segurá-lo contra os seus ossos sabendo que sua própria vida depende daquilo; e, quando chegar a hora de deixar ir, deixar ir.


Ahh, não é linda a imagem que esse poema cria? O incêndio, o fogo, a chama da vela que representam tudo se desfazendo… A ideia de que, todo ano, tudo aquilo que se aprendeu, que se foi, que se amou, terá de passar por uma espécie de destruição. Precisamos filtrar a nossa existência como com o café: deixar o que não serve para trás, e transformar o que serve em algo bom. E passar por tudo isso, ainda que doa, significa salvar-se – de si, do mundo. Ser alguém melhor a cada dia.


Mas os versos que acho mais bonitos são esses últimos. Abraçar a transformação, para Mary Oliver, é pré-requisito da nossa existência humana aqui nesse mundo. Agarrar a mortalidade por quanto tempo for possível, mas quando chegar a hora de deixar ir…


Simplesmente deixar ir.


 

Confesso que, por vezes, me culpo por não estar florescendo. Mas aí eu me lembro de que o nosso corpo também é composto por estações e penso, ah, então é isso, não chegou o meu período de colheita. Ainda estou preparando o meu solo para receber novas sementes, passando por um momento necessário para o meu amadurecimento. É preciso, antes, firmar as raízes. Ainda que um momento pareça parado e vazio, lembre-se: as flores começam o seu trabalho debaixo do solo, silenciosamente. Não somos tão diferentes das plantas, afinal.


E eu espero que você, leitor, vivencie tanto as dores – necessárias – quanto as delícias das suas estações, das suas transformações. Que o outono sempre te lembre de que há beleza no processo. Que a poesia te incendeie, te impulsione a chegar na outra margem da lagoa. E que você tenha se encontrado em alguns desses meus pedaços.


Até a próxima!


2 Comments


Guest
Mar 20, 2023

Como sempre sua escrita é luz. Que venha o outono e com ele novas experiências.

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Guest
Mar 20, 2023

Impecável! 🍂

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Ser intertextualizada é

existir no movimento entre

palavras, papéis e possibilidades.

© 2023 por Mariana Casarin Frata

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