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Quanto preciso ler para ser?

Mariana Casarin Frata

Em algum momento da minha caminhada, eu me convenci de que precisava ler uma certa quantidade de livros por ano. Sem motivo aparente ou lógica qualquer, essa meta parecia essencial para manter a minha identidade ou alcançar a versão idealizada de mim mesma. Mas não deu muito certo. E hoje, compartilho com você, leitor, um pouco do aprendizado que tive com tudo isso. Se você também é uma pessoa que se cobra demais, esse texto com certeza vai ressoar aí dentro.


No início deste ano, criando metas, inventei uma forma de registrar minhas leituras. Quis me empenhar nisso, pensando que assim eu me lembraria com mais carinho de cada livro. Montei um diário de leituras personalizado, cheio de colagens e dedicação. Um dos meus primeiros textos aqui no blog, foi falando dessa experiência. Porém, eu acabei abandonando esse diário bem no meio do ano. Passou a ser insustentável fazer tudo aquilo sempre que eu terminava algum livro, e não por falta de prazer, mas porque se transformou em uma obrigação. Eis o modo mais fácil de perder o brilho dos olhos.

Por um tempo, o diário de leituras me ajudou bastante, reconheço isso. Comecei a valorizar mais se aquilo que li fez sentido para mim, se me permitiu elaborar questões, se me marcou de alguma forma, se tocou os cantos mais profundos da minha alma, se me permitiu, por um momento, enxergar por outra perspectiva. Mas, ainda assim, negligenciei muitos aspectos que importam.


Não levei em consideração os livros que comecei e ainda não terminei, como, por exemplo, Os Diários de Sylvia Plath, que pretendo levar um bom tempo para ler. Ignorei textos dispersos de redes sociais, contos, crônicas, newsletters, mensagens, postagens, poemas. Tudo o que li mas não coube naquele espaço destinado somente a registrar: li tal coisa, terminei em tal dia, tinha tantas páginas, e só isso importa. Sem querer, me limitei a alguns pedaços de papel.


Alcancei a marca de vinte e quatro livros finalizados até agora, no início do último mês do ano. Ainda há tempo para concluir mais uma ou duas leituras, mas, nestes dias, sinto uma ponta de decepção por não ter atingido a casa dos trinta ou quarenta, como fiz nos anos anteriores. Desapontei-me por ter abandonado meu diário de leituras, que prometia ser uma ferramenta valiosa. Então, a pergunta que permanece é: por que transformar bons hábitos em pura cobrança?


Eu, ingênua, achei que os números me bastariam. Sem querer, desconsiderei toda a complexidade que existe no ato de ler, toda a profundidade, como se fosse raso e superficial. Porque apesar de a intenção do diário de leituras ter sido positiva, no fim, eu só me via querendo encher mais e mais aquele caderno, a qualquer custo. Mas a que custo?


Hoje, percebo que ideias rígidas não me servem mais, e para o ano que vem, quero me desprender dessas amarras inventadas. Afinal, números são apenas números, servem para contar, para determinar quantidades. Seguir um padrão exato pode até ser esteticamente agradável, mas não permite ultrapassar as bordas e olhar para as maravilhas que existem fora da zona de conforto. Essa exatidão não é capaz de dimensionar qualidades, principalmente quando se trata de práticas que demandam tanta humanidade, tanto sentimento! Eu nunca vou conseguir deixar registrado tudo o que os livros são capazes de fazer comigo. Apenas sentir. E isso deve ser o suficiente.


Com isso, aprendi que preciso internalizar que nada precisa ser definitivo, perfeito. Pode ser, mas não precisa. Mudanças podem acontecer sem tempestades. Planos podem ser escritos à caneta e, depois, riscados. Folhas podem ser rasgadas, partidas ao meio, amassadas. Folhas novas podem ser utilizadas e reutilizadas. E isso não faz de mim alguém pior. Isso me faz humana.


"Quanto preciso ler para ser?" já não é mais a questão. Não é o quanto que importa. Não há, ao menos, questão. Já sou humana. Já sou "eu" o suficiente. E isso basta.

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Ser intertextualizada é

existir no movimento entre

palavras, papéis e possibilidades.

© 2023 por Mariana Casarin Frata

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